domingo, 14 de novembro de 2010

Sobre a vida

Eu ontem estava morto. E hoje não sou mais apenas um simples corpo que voz fala. Agora possuo uma alma novamente. Morri. Notei-me ofegante, meu peito pulsou até deixá-lo de sentir. Como assim não entendes como posso ter morrido e estar escrevendo esse texto agora? Não, eu não me psicografo. Meus dedos digitam cada palavra que cuspo da minha mente e habitam esse terreno da tela no meio da noite. Se não entendes é porque nunca morreu. Ou pelo menos nunca aceitou a verdade. Muitos se negam a enxergar o próprio desterro. E vivem a enganar a alma com os olhos cegos. Porém quem já morreu é capaz de ver os mortos quando vive de novo. Vejo minha mãe sentada no sofá a franzir tecidos para aprontar lacinhos de menina, com sua vida pacata e seus sonhos perdidos no limbo. Pessoas a passarem por mim com seus rostos inexpressivos e seus andares cabisbaixos. Como poetas sem verve, como dias cinza e paisagens cobertas pela neblina. Mas as pessoas disfarçam que estão mortas enquanto puderem andar e exercer suas funções. Camuflam-se no meio dos vivos como uma mera representação de si mesmos. Como retratos cujos sorrisos congelados escondem a felicidade que já morreu. Há muitos que não acreditam na morte e acabam por viver na ilusão de suas convicções. Culpam os outros pela própria desgraça e destroem a leveza da alma com o peso de suas ignorâncias. É claro que não existem somente mortes naturais. A vida é uma comédia dos erros. E os homens seus atores que praticam e sofrem a ação. Todos nós, vilões e mocinhos. Muitos dizimam vidas ou se matam sem se dar conta. Porque vida é frágil e saber viver implica em morrer muitas vezes.




Caco Garcia