segunda-feira, 13 de julho de 2009

Urgência

Os meus planos são pra hoje. Eu quero os meus amigos pra hoje. Quero perseguir os meus sonhos, alcançar os meus objetivos, recitar a minha poesia mesmo que ela esteja sendo feita por mim agora. Quero comer as guloseimas mais gostosas, ver todos os filmes que me vêm em mente, ouvir aquela música agora no youtube. Hoje eu vou dizer que te amo, vou repudiar as minhas ilusões e iluminar as minhas idéias com a ação das minhas mãos. O sorvete de chocolate é pra hoje, a corrida na praia, os beijos e loucuras de amor. São pra hoje as minhas lágrimas e o sorriso que nasce depois delas. Assim como toda a minha revolta e todo o meu afeto. Hoje eu vou falar pra quem quiser ouvir, vou rir das piadas mais complicadas mesmo sem ter entendido, porque as gargalhadas são pra hoje. Eu quero tudo com urgência. Nada ao mesmo tempo, uma coisa após a outra. Eu quero tudo pra hoje, porque hoje é o agora, um segundo que se passa, uma festa que se dança, é as flores que se regam e as folhas que caem das árvores. E o amanhã não me importa, porque eu não quero pensar nisso hoje.

sábado, 4 de julho de 2009

Hoje acordei mal comigo mesmo e com alguém. Egoísmo, ao olhar dos meus conceitos, é cagar ao lado de alguém que você sabe que vai se incomodar com o cheiro. Faço o meu casulo e o mais normal é que todos façam os seus. Andar pra frente é o ciclo da vida. Caranguejos andam pro lado e sempre estão perdidos. E quem é que prefere rastejar quando tem a chance de ter asas? Eu Achava que certas pessoas não conseguiam voar por algum subterfúgio da vida. Mas voar é uma escolha. Me deprime saber que algumas lagartas preferem morrer a virar borboletas. Soltei lágrimas e acordei torturado por essas indagações e uma dúvida: a de voar e deixar uma lagarta comer terra até sufocar-se ou voltar e faze-la entender que embora o chão seja mais perto que o céu, a liberdade é uma conquista.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Abrigo.

Há ainda certa dúvida que me assola: a de como Olavo rejeitou tudo o que lhe foi dado. Ele foi o meu amigo de infância. Mesmo que quando éramos pequenos não se desse conta disso. Olavo nasceu com uma doença que o afastara da realidade. Não era necessariamente louco, eu o achava muito mais normal que eu até. Vivia no seu próprio mundo, longe dos homens e de suas palavras. Falava sozinho, era amigo de suas bolinhas de gude e olhava pra tudo como se fosse cego. Seu ponto fixo era a sua própria mente. Vivia como uma roupa do lado contrário. Éramos melhores amigos e embora eu sempre ouvisse seus pensamentos aleatórios podia entender um pouco de sua alma e me encontrar algumas vezes nela. Talvez isso fosse o algo que nos ligava. A idéia de estar perto de alguém que apenas me ouvia e não me olhava de forma indiferente era sempre confortadora. O tempo passou e crescemos. A ciência evoluiu assim como a vida financeira de seus pais. Isso fez com que sua mãe investisse cada vez mais em seu tratamento. Até que então surgiu uma novidade que assustou a todos: a possível cura da doença de Olavo. Rapidamente fizeram as malas para buscá-la e só voltaram dois anos depois. Foi numa tarde de primavera. As crianças estavam brincando na rua, mamãe lavando a varanda, papai limpando o carro com o aspirador e meu avô num lugar qualquer se matando com uma garrafa de cachaça. Um carro de vidros fumê parou em frente à casa de meu velho amigo. Dele saiu sua mãe, ela estava bonita e com um sorriso lindo. Depois seu pai que desceu do veículo de costas pegando as malas. Até que uma mão branca e magra estendeu uma bolsa de couro até ele. Fiquei tão surpreso quando vi que era Olavo que até me engasguei com o chiclete que mascava e acabei o engolindo. Ele saiu do carro, olhou pra tudo ao seu redor, inclusive para mim, e suspirou. A noite chegou e todos esperavam o tão novo ser normal num jantar regado à carne e cerveja. Olavo parado estava e no canto ficou encontrando assim um amigo. O estranho foi ouvir dele que parecia que nos conhecíamos há anos. Mas o que me deu alegria foi seu abraço, que se repetiria por muitas vezes. Olavo foi matriculado em tudo o que seus pais achavam necessário a sua vida: escola, natação, cursos de idiomas e algo mais que não me lembro. Aprendeu a andar de bicicleta, ganhou um computador, um vídeo game e todo tipo de engenhoca moderna. Era de uma série anterior a minha. Fora alfabetizado nos Estados Unidos pela mãe. Na escola, ele ia com as melhores roupas, tinha os melhores tênis, chegava de carro importado e tinha tudo o que um jovem precisava ter pra ser feliz. Ou quase tudo. Ele não falava muito. Pensei que fosse pelo fato de estar achando tudo muito novo. Os meses passaram e Olavo não fez amigos. Ele ao menos sorria para as pessoas. Eu era o único com quem ele conversava desde quando se curou até a adolescência. Nela então já havia se tornado um rapaz totalmente anti-social. Seus pais o levaram ao psicólogo e atenderam a todos os conselhos que ele os dera. Se Olavo ficava triste por não ter amigos, arrumavam amigos para ele. Se ficava entediado, seus pais faziam uma festa. Se ele se revoltava, lhe davam carinho ao invés de tapas. E nada disso foi o suficiente. O pai de Olavo havia feito tudo o que podia para torná-lo um rapaz saudável. O fez praticar muitos esportes. E se Olavo não gostasse de futebol, ele o levava a um jogo de vôlei, mas nada adiantou. Até que então deixaram ele mesmo decidir pelo seu próprio lazer, escolher seus próprios amigos e ser tudo o que quisesse. Sendo assim, Olavo desfrutou de sua liberdade e comprou alguns livros. Passava horas lendo poesia e romances. E quando eu o perguntava se estava satisfeito, me respondia que não. Os livros não lhe eram suficientes na sua busca pelo prazer. Olavo então decidiu ouvir música. Comprou muitos CDs e mergulhou em todos os estilos musicais procurando o seu. Até que descobriu que não era um cara musical. Decidiu virar cinéfilo. Alugou todos os filmes que queria ver e nem ao menos conseguiu se entreter com nenhum deles. Se entregou ao sexo, provou de homens e mulheres e nenhum toque o fez suar pela alma. Andou no mundo, abraçou os povos, cultura, vida e poesia de cada um. Explorou a fé dos homens. Foi à igreja, ao centro de candomblé, a um mosteiro, praticou a cabala, o budismo, leu o Corão. Acreditou em um Deus, em muitos, até que em mais nenhum. Casou-se com uma mulher linda e nem ao menos conseguiu se apaixonar. Teve dois filhos, um menino e uma menina e não sorriu ao vê-los nascer. Conheceu os afortunados, a futilidade de madames e a crueldade dos magnatas. Não encontrou esperança nem no verde do dinheiro. Saiu do centro e morou na margem do mundo. Começou bebendo, tomava porres tão fortes que ficava em coma alcoólico. Usou maconha, cocaína e sorriu por alguns dias. Até que o efeito passasse, seus olhos voltassem ao estado de óbito e seu corpo se desprendesse de qualquer vício. Abraçou mendigos e marafonas, beijou o asfalto em noites de violência, perdeu seu nome, alguns dentes e a liberdade. Até que voltou para casa. Matou-se exatamente no dia em que seus pais comemoravam seu despertar do mundo vazio em que vivia. Por mais que eu fosse seu amigo, nunca o perguntei o que procurava. Porém acho que tive um pouco de noção ao ler o que ele escreveu no bilhete que deixou depois de dar um tiro na própria boca. O bilhete dizia: “Eu só queria voltar pro meu abrigo”.